Ao olharmos ao nosso redor, vemos uma imensidão de imagens em todas as direções. Nelas podemos encontrar uma malha de referências simbólicas e iconográficas que são particulares à ideia de imagem, com seus usos e aplicações em nossas vidas. Apesar de refletirmos pouco sobre essa condição, se olharmos mais atentamente para elas notaremos algo implícito, que permeia grande parte dessas imagens que nos circundam, chamado de ato de seleção. Essa classificação, elaborada de maneira intuitiva ou não, tem o intuito de ordenar as formas em um determinado espaço.
A vontade de ordenar os elementos plásticos da imagem remete a tempos imemoriais, em um contexto da cultura ocidental, por meio de um diálogo da imagem e a sua herança. Basta pensarmos nas noções de organização plástica desenvolvida por escultores gregos e suas lógicas de proporção entre as partes do corpo em si. Algumas dessas noções, como simetria e proporção, foram assimilados nas noções composicionais da imagem e trazidas para a pintura por meio de noções como composição. É interessante pensarmos como a fotografia, em um sentido mais amplo, toma como referência essa lógica de elaboração de imagem que a precede. A imagem fotográfica passa a dialogar e inclusive disputar com quadro, que passa a ser, em um momento histórico específico, uma de suas maiores armadilhas.
Essa lógica da imagem, que remete ao princípio do quadro, está mais relacionada a ordem da figuração e nela temos um conjunto de princípios que reproduzem a sua construção. É como observar uma paisagem e imaginar o ato fotográfico como uma maneira de emoldurá-la. Ou seja, ordenar o espaço diante e sob a condição da câmera fotográfica. Esse ato de enquadrar foi discutido por diversos fotógrafos e fotógrafas ao longo do século XX, cada um à sua maneira. Basta pensarmos na ideia de ‘pré-visualização’ do americano Ansel Adams, ou mesmo nas soluções do francês Henri Cartier-Bresson, com o chamado ‘instante decisivo’.
Apesar desses impulsos em organizar o espaço a partir do enquadramento e seu arranjo composicional, a fotografia, em um primeiro momento, voltou a sua atenção para sua construção como imagem. Neste sentido, o quadro aqui deve ser entendido para além da composição. Precisamos compreender o que estava em jogo para os fotógrafos do final do século XIX. Ao investigarmos um pouco mais sobre esse momento das últimas décadas do século XIX podemos notar uma busca incessante pela valorização da fotografia como arte e como esse processo se deu de maneira efetiva, em um sentido de concepção da imagem fotografia a partir de posturas pictóricas. Tais posturas evidenciam a luta da fotografia para se assumir como imagem e alcançar um patamar diante de outras artes obviamente já afirmadas, em particular, a pintura.
Esse momento pode ser visto também como uma via de mão dupla, se tomarmos como exemplo o uso das câmeras estereoscópicas e a pintura a partir de 1850. As imagens capturadas por Hippolyte Jouvin, mostrando a vida cotidiana a partir de eventos festivos e o uso de espaços públicos, traduziram a visão de uma vida em constante movimento, que passou a influenciar de maneira indireta as telas de alguns pintores impressionistas por conta do efeito visual dessas fotografias.
As imagens faziam certa alusão ao volume das formas, gerenciando uma espécie de efeito da visão sobre a paisagem observada.
O efeito capturado por Jouvin pode ser semelhante ao quadro Boulard des Capucines, de Claude Monet. Esse efeito da visão diante do mundo pode ser percebido também na ampla série de quadros sobre os espetáculos de ballet, realizados em 1880 por Edgar Degas. Penso aqui particularmente na maneira como ele registra a luz de ribalta que atinge os tecidos das roupas utilizadas no palco cênico para investigar o efeito da visão de um espetáculo a partir da perspectiva do público que observava o evento em si.
A partir de um determinado momento, esse desejo de recuperar atmosferas e climas luminosos muito bem assimilados por pintores impressionistas no final do século XIX, como o estudo da luz em palco cênico realizado por Degas ou ainda as fachadas luminosas capturadas na série de pinturas da Cathedral de Rouen por Claude Monet, fotógrafos procuraram a sua fonte de inspiração para além do enquadramento e da própria mecanicidade da câmera que passou justamente a incomodar. Diversas soluções foram tomadas com o intuito de mascarar o gesto maquínico do aparelho fotográfico. De maneira resumida, o interesse é voltado completamente para o resultado da imagem e seu acabamento, desviando-se da atenção do ato fotográfico em si.
A fotografia tornou-se um grande laboratório e uma miríade de experimentações na imagem foram desenvolvidas a fim de aprimorar o resultado final da imagem como menos fidedigna, desvinculando-a de seu aspecto objetivo de registro. A técnica de raspagem direta no fotograma, realizada pelo fotógrafo francês Robert Demachy em sua imagem Composition tournante (1905), figura essa intenção de extrapolar o efeito realístico do registro, acrescentando uma espécie de gesto artesanal do artista diante do resultado final da imagem. Podemos mencionar outras técnicas que vão desde tratamentos laboratoriais bem elaborados – utilizando técnicas como o cianótipo ou mesmo o uso de papéis artesanalmente criados pelos fotógrafos, como a goma bicromática – até soluções por meio de colagens e fotomontagens para criação de imagens complexas que remetem a composições pictóricas em algumas obras de fotógrafos como Reijlander e Henry Peach Robinson.
Na passagem para o século XX um outro horizonte se descortina diante da visão sobre a imagem fotográfica. Inúmeros fotógrafas e fotógrafos, como Alfred Stiglitz, Gertrude Käsebier, Eva Watson, Edward Steichen e outros, discutem sobre a fotografia em si a partir de revistas renomadas como Camera Work (1903) e a influência dos movimentos artísticos são abarcados também pelo campo da fotografia. Já na década de 1910 temos o forte impacto dos pensamentos de Marcel Duchamp com seus ready mades, em uma espécie de questionamento a respeito da mecanicidade fotográfica. O que era mais naturalmente problemático em um sentido de execução da imagem no século XIX passa a ser visto como uma grande vantagem da fotografia: justamente a sua característica maquínica. As vanguardas passam a possuir um peso incisivo para a revisitação sobre o valor (fotográfico) da fotografia e vemos uma espécie de virada na criação de imagens. Basta observarmos a potencialidade de fotografias como os ensaios de Fortunato De Pero, com as suas imagens A nascondino ou ainda autoritratto con il pugno (1915).
Há outros caminhos para se pensar a imagem para além da lógica fundada em sua ordem representacional e poderíamos pensá-la como uma imagem mais mental. Na verdade, é algo bastante simples e essas imagens também inundam o nosso dia-a-dia, mas elas tomam particularmente força ao evocar sensações e emoções mais profundas em nós mesmos. Sinto essas imagens como uma janela para o mundo. Uma sensação de expandir os domínios do quadro e atingir o efeito da experiência pulsante da vida.
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